Confessionários da JMJ construídos por “homens capazes”
Quando se fala em Jornada Mundial da Juventude (JMJ), as primeiras coisas que nos saltam à memória são as imagens felizes dos peregrinos e voluntários que vivem a semana da sua vida, em comunhão e partilha uns com os outros. Mas é num ambiente aparentemente calmo, rodeado de arame farpado e guardas em constante vigilância, que se vive a evangelização de uma forma diferente. Aqui, nas cadeias de Paços de Ferreira, Porto e Coimbra, nascem aqueles que serão os confessionários da JMJ Lisboa 2023.
Passadas as barreiras de segurança e abertas as portas da prisão de Paços de Ferreira, é na ala da carpintaria que o trabalho e a magia acontecem. Passamos um corredor com os bancos dos confessionários já todos feitos e embalados e entramos na sala onde ainda se cortam e lixam madeiras.
Com uma equipa de seis a sete reclusos, os 50 confessionários foram sendo construídos e estão quase todos prontos. Entre madeiras empilhadas e ferramentas a trabalhar, é nesta sala que se medem, cortam, lixam e montam as estruturas. A visita serve, em grande parte, para a equipa da Pastoral da Jornada Mundial da Juventude poder acompanhar os trabalhos e esclarecer eventuais dúvidas que possam surgir.
Na sala ao lado, encontramos Fernando Pinto Correia a pintar os pormenores do terço que dão cor à parte de fora dos confessionários. Fernando é um dos reclusos inteiramente dedicado a este projeto. “Isto aqui alivia-me mais a cabeça”, diz. Apesar da aparente felicidade com a visita, Fernando Correia não esquece o que aconteceu, e revelou-nos que “lá fora era disto que eu trabalhava desde pequeno” e que, por isso, “aqui a trabalhar o tempo passa melhor”.
Gosto de estar a trabalhar aqui, entretenho-me e passa muito tempo. Venho para aqui e aprendo mais um bocado.
Sem reservas, este recluso confessou que “sempre fui católico” e que, tal como “lá fora”, “aqui também vou à missa”. Quando questionado sobre a presença do Papa Francisco em Portugal, Fernando acredita que “para nós é bom, ele ajuda-nos mais um bocado”.
Apesar de tudo estar a correr “em velocidade cruzeiro”, José António da Silveira, diretor do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, contou que “o processo tem tido alguns contratempos”, muito devido à rotatividade dos membros da equipa, já que “alguns foram saindo, felizmente. Foram libertados”, o que obriga sempre a uma readaptação constante.
No entanto, e já com o processo de construção quase concluído, José destaca a importância deste tipo de projetos, principalmente este, “com uma dimensão mundial”, que também aproxima os estabelecimentos prisionais do exterior. “É uma forma de mostrarmos à comunidade, à sociedade, que cá dentro se fazem coisas boas”, realça.
Normalmente, quando se fala de um estabelecimento prisional, aquilo em que as pessoas que não conhecem a realidade pensam, é sempre em coisas negativas. E não, fazem-se coisas muito boas cá dentro, temos homens muito capazes, homens muito competentes, pessoas com muita vontade de cumprir a pena deles e de não voltar cá a casa.
Já de caminho até ao Porto, perduram na memória os testemunhos ouvidos e os sentimentos observados entre aquelas paredes. Ao chegarmos a outro edifício, menos isolado, mas com o mesmo arame farpado, somos encaminhados para uma garagem no pátio, onde estão empilhadas todas as madeiras já cortadas e pintadas, que darão “vida” aos confessionários da JMJ Lisboa 2023.
Em jeito de orgulho, os reclusos mostram-nos uma chapa, feita com a madeira dos confessionários, que está a ser colocada em todos os bancos elaborados pelo Estabelecimento Prisional do Porto, deixando a marca dos seis reclusos que trabalharam neste projeto.
Daqui, passando por um corredor entre um “bom dia” curioso e outros desconfiados, fomos para a sala onde se lixam e envernizam as madeiras, na qual encontrámos cinco reclusos, todos divididos por tarefas.
É Manuel Dias o nome do recluso que ficou responsável pelo envernizamento das madeiras. Dentro do seu “cubículo” só cabem os bancos que acabou de envernizar, a sua pistola de envernizamento e a música que o acompanha durante o trabalho. Segundo contou, “é a segunda mão que estamos agora a dar”. Além disso, Manuel ajuda também nos restantes acabamentos, como lixar as peças de madeira.
Sobre o processo de construção dos confessionários, Manuel acredita que “tem corrido bem”, acrescentando logo a seguir que “eu até gosto de fazer isto”. Em conversa, revelou que o que está a fazer agora era “a arte” que fazia “lá fora” e que “vai ser bom” os jovens de todo o mundo verem o seu trabalho na JMJ Lisboa 2023. Contudo, confessou que “é pena não poder lá estar para ver”.
Construir os confessionários é uma coisa nova. Apliquei-me bem para fazer o melhor possível.
Paulo Teixeira, ou “Sr. Teixeira”, como é conhecido no estabelecimento prisional, é quem supervisiona os trabalhos no dia a dia e foi quem escolheu os seis reclusos que trabalham na construção dos confessionários para a JMJ Lisboa 2023. A faltar só a pintura, Paulo revela que este é “um desafio diferente”, porque “para nós enquanto estabelecimento é um bocado complicado de manter ou haver prazos para cumprir”, dada a vida e dinâmica próprias de um Estabelecimento Prisional.
No Porto, ao contrário de Paços de Ferreira, a equipa não se alterou no decorrer do processo Paulo Teixeira revelou que “eles aceitaram muito bem [o projeto] e andam entusiasmados”, assumindo apenas a missão de “pô-los a trabalhar e incentivá-los a fazer o trabalho”.
Além dos confessionários pedidos pela Fundação JMJ Lisboa 2023, o Estabelecimento Prisional do Porto fez um para poder ficar lá e servir de confessionário a todos os reclusos que se pretendam confessar durante o seu período privado de liberdade.
Do Porto seguimos para Coimbra, onde fomos encaminhados para uma espécie de oficina. Percorremos um estreito corredor até chegarmos ao centro de uma cúpula onde estavam já embalados os bancos dos confessionários. À sua volta estavam as várias “oficinas” e ocupações dos reclusos do Estabelecimento Prisional de Coimbra, entre pinturas, azulejos, bicicletas e motas feitas em madeira.
Depois seguimos então para a verdadeira oficina, onde a rádio faz parte dos instrumentos de trabalho. De um lado estava um confessionário montado para “exposição”, enquanto do outro estavam todos os confessionários já prontos a rumar a Lisboa, depois de dois meses de trabalho por parte de cinco reclusos.
Pedro Silva foi um dos “rapazes” que trabalhou na construção dos confessionários e vê a pintura como “um alívio para o stress e no dia a dia”.
Para mim foi um orgulho poder participar neste projeto e sentir que parte de mim está com a Jornada Mundial da Juventude.
Com a saída em liberdade marcada para dia 10 de junho, Pedro quer estar na JMJ Lisboa 2023. Quando questionado sobre a sua vontade em participar no encontro, Pedro Silva responde prontamente: “fui eu, que já tinha falado com o Sr. Nelson há coisa de 10 dias a dizer que gostava de participar na JMJ”.
Pedro Silva deixou ainda uma mensagem aos jovens, garantindo que “o que não podem perder é o amor, a esperança e a liberdade”. Quanto ao contacto dos jovens de todo o mundo com os confessionários, Pedro espera “que gostem, que admirem o trabalho que foi feito” e realça que “da minha parte meti empenho, amor e dedicação”.
Paulo Domingues, que acompanhou a construção dos confessionários e também a visita, revelou que todo o processo “foi fantástico” e que esta iniciativa “foi como se a sociedade os tivesse abraçado” e uma forma de “estar mais junto deles”, referiu.
Os nossos reclusos aderiram de uma forma que nos surpreendeu muito. Não contávamos, sabíamos que eram bons, mas tanto não. E aderiram ao projeto com coração aberto.
Em todos os estabelecimentos prisionais que visitámos, são os reclusos que restauram os bens comuns “de casa”, aceitando também diversos projetos e trabalhos que lhes permite ganhar um dinheiro extra e ocupar o seu tempo. Os confessionários para a JMJ Lisboa 2023 são também um serviço pago aos reclusos e que, de alguma forma, contribuem para que a sua reinserção na sociedade seja uma realidade.